A Resolução 196/96, instituída pelo Ministério da Saúde com a pretensão de regular os aspectos éticos de qualquer pesquisa "envolvendo seres humanos", ainda não foi plenamente apreciada em suas implicações para os estudos antropológicos. Este artigo ressalta as dificuldades que se apresentam para pesquisas de campo, especialmente as que enfocam atividades ilícitas, tais como o uso de substâncias psicoativas. Esses estudos freqüentemente adotam abordagens etnográficas que pressupõem a ida do pesquisador ao campo e o estabelecimento de relações pessoais entre ele e os sujeitos por meio da participação cotidiana direta em seu meio cultural. Essa metodologia e a condição ilícita das atividades estudadas demandam considerações éticas específicas, às quais as disposições da Resolução 196/96 não atendem. Algumas áreas problemáticas são:
- (a) a necessidade de aprovação do projeto por um comitê de ética;
- (b) a dificuldade para obter consentimento informado quando se trabalha com populações ocultas;
- (c) "acobertamento", "apologia" ou participação em atos ilegais;
- (d) a dificuldade em fazer crítica social sem ferir interesses de nenhum dos sujeitos estudados;
- (e) o anonimato em pesquisas que também tenham caráter de registro histórico.
As especificidades de diferentes disciplinas reforçam a noção de que comissões de ética devem ser setoriais, sob pena de se avaliar questões diferenciadas segundo padrões somente aplicáveis a algumas delas.
Referências para citação: MACRAE, E.; VIDAL, S. A Resolução 196/96 e a imposição do modelo biomédico na pesquisa social: dilemas éticos e metodológicos do antropólogo pesquisando o uso de substâncias psicoativas. São Paulo - SP: Revista de Antropologia, 2006, vol.49, n. 2, pp. 645-666.