O consumo de álcool na mulher é uma problemática cada dia maior devido ao aumento nos padrões de consumo e na idade precoce em que se da o início do consumo de bebidas alcoólicas. O processo de adição é complexo e afeta a mulheres de todas as classes sociais, estas mulheres vistas em uma perspectiva externa não parecem ter muitas coisas em comum, mas compartilham o consumo de álcool de maneira impulsiva. Daí surge a finalidade deste estudo que foi compreender em que momento o álcool começou a fazer parte da vida da mulher que o consome e que significado atribui para o seu consumo. Diante da natureza do problema, este foi abordado segundo a metodologia qualitativa, tendo como referencial metodológico o estudo de caso, sob a perspectiva teórica de alguns dos pressupostos do Interacionismo Simbólico. Participaram deste estudo 10 mulheres que reconheceram consumir ou ter consumido bebidas alcoólicas. A história oral temática foi a técnica utilizada para a coleta de informação. As entrevistas gravadas foram transcritas, codificadas e categorizadas tomando como referência a análise de conteúdo. A análise de dados obteve como categorias centrais: O mundo das mulheres e sua interação com os objetos que as conformam e Encadeando ações em direção ao consumo de álcool. A partir das interações se evidenciou que a perspectiva da maioria das mulheres sobre o seu mundo foi uma visão continua de eventos de maustratos e objetos (pai, mãe e marido) agressores, atribuindo significados às situações vivenciadas como: dor e sentimentos associados, como ódio, raiva, revolta e humilhação. O relacionamento conjugal da maioria foi com pessoas que consumiam álcool, as quais influenciaram seu comportamento aumentando seu consumo de bebidas alcoólicas. As relações sexuais foram complexas, pois a maioria sofreu abusos sexuais, dessa forma quando se encontravam em uma situação de intimidade com um homem reviviam a situação do abuso, o que impedia ou dificultava o encontro. No tocante aos filhos a agressividade mãe - filho colocou-as numa situação de dor quando recordavam suas agressões, reproduzindo o esquema aprendido em sua infância. Na interação consigo mesma emergem sentimentos de desvalorização pessoal ante os outros em decorrência da vida levada tanto na infância como na idade adulta, percebendo que seu status dentro da sociedade era diminuído. O consumo de álcool deu-se em geral estimulado pelos grupos de referência como: a família, os amigos, seu parceiro e colegas de trabalho. Compartilhando os significados e as perspectivas auferidas através do álcool, o consumo formava parte da cultura de todos os seus grupos de referência. Percebeu-se que o álcool permitia a expressão do seu "eu", aquele que elas queriam de fato ser; gostavam dele por que as fazia sentir-se bem, razão da continuidade do consumo, que ocorria em níveis cada vez mais elevados. Observou-se que o "eu" dessas mulheres se encontrava reprimido pelas suas vivencias no decorrer do seu desenvolvimento, consolidando um Self que era mais "mim" do que "eu", era fruto do contexto e que somente através do álcool esse "eu" podia expressar-se. Nesse momento descobriam que "sou eu, mas não sou eu" quando ingeriam álcool. Verificou-se que somente quando entram em um processo reflexivo do que havia sido a sua vida com o álcool são capazes de redirigir sua ação e pensar em alternativas de reabilitação, como a possibilidade de ser outra e deixar aflorar as potencialidades do seu "eu" sem a necessidade do álcool. A reflexão permite que descubram a possibilidade de serem elas próprias sem o álcool, enfrentando uma luta consigo mesmas nesse processo, pois a maioria das pessoas significativas que as rodeiam continua consumindo álcool.
Referências para citação: RAMÍREZ, Leticia Cortaza. Sou eu, mas não sou eu: as interações de mulheres mexicanas com o álcool. Ribeirão Preto/SP. Tese de Doutorado, USP, 2007.